Por José Rios
A pergunta sobre a relação entre a queda de impérios e a crise da sua moeda é central para entender a história do poder. Desde a Antiguidade, a desvalorização monetária tem sido tanto um sintoma quanto um catalisador para o colapso de grandes potências. Do Império Romano ao “Império do Caos” moderno, a história mostra que a manipulação do dinheiro, longe de ser um mero erro técnico, é uma estratégia de expropriação que corrói as fundações de um Estado.
A Experiência Romana: O Exemplo Clássico do “Debasement”.
O Império Romano fornece o caso mais claro dessa relação. Por séculos, o denário de prata foi a espinha dorsal de sua economia. No entanto, à medida que os custos de guerras e a manutenção de um vasto exército aumentavam, os imperadores começaram a “fraudar” a moeda, diminuindo a quantidade de prata em cada denário e substituindo-a por metais mais baratos.
Esse processo, conhecido como debasing, não foi acidental. Era uma forma de o Estado expropriar a riqueza da população de forma silenciosa e sistemática. O resultado foi uma inflação desenfreada. Os preços subiam, a confiança no governo caía, e a vida dos cidadãos comuns se tornava insustentável. A inflação corroeu a base social do Império, empobrecendo a classe trabalhadora e desestabilizando o comércio. A decadência monetária foi um dos fatores que abriu caminho para a fragmentação do Império, tornando-o vulnerável a ameaças externas e à sua própria dissolução interna.
A ascensão do dólar e a nova forma de “debasement”
Após a Segunda Guerra Mundial, o dólar americano assumiu o papel que o denário teve um dia. O Acordo de Bretton Woods, em 1944, consolidou a hegemonia dos Estados Unidos, tornando o dólar a moeda de reserva mundial. Isso deu a Washington um poder sem precedentes: a capacidade de emitir a moeda que financiava o comércio e as dívidas globais.
Por um tempo, o dólar estava lastreado em ouro, mas isso mudou em 1971, quando o presidente Nixon suspendeu a convertibilidade. A partir daí, o dólar se tornou uma moeda fiduciária, ou seja, seu valor não dependia mais de um metal precioso, mas sim da confiança no poder econômico e militar dos Estados Unidos.
A nova forma de “debasing” não era mais a mistura de metais, mas sim a impressão de dinheiro em uma escala gigantesca. Os EUA podiam financiar seus déficits comerciais e suas guerras (como a do Vietnã e, mais recentemente, as do Iraque e Afeganistão) simplesmente imprimindo mais dólares.
A crise do “Império do Caos” e a transferência de culpa
A minha referência ao “Império do Caos” é precisa e pertinente. A crise atual do dólar está intrinsecamente ligada à crise do próprio império. Os fatores mencionados — o uso do dólar como arma geopolítica através de sanções, a política externa errática de líderes como Donald Trump, e o endividamento massivo dos EUA — expõem a fragilidade dessa hegemonia.
A desconfiança no dólar não vem apenas de competidores econômicos, como os países do Sul Global e o bloco BRICS (incluindo o Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Ela é a consequência da percepção de que a moeda americana não é mais uma reserva de valor segura, mas sim um instrumento de controle político que pode ser usado contra qualquer nação que desafie os interesses de Washington.
A história dos impérios, de Roma aos EUA, revela um padrão consistente: a tentativa de transferir a culpa pelos próprios erros. Os impérios, em sua decadência, procuram bodes expiatórios para justificar sua falência. No caso romano, as invasões bárbaras foram frequentemente apresentadas como a causa principal do colapso, mas a realidade era que o Império já estava minado por dentro pela corrupção e pela crise monetária. Da mesma forma, o “Império do Caos” tende a culpar outros países e blocos por sua perda de poder, em vez de assumir a responsabilidade por seu endividamento, suas guerras e o abuso de sua moeda.
Em última análise, a relação é histórica e inevitável. A desvalorização de uma moeda, seja através da diluição do metal ou do abuso de seu poder fiduciário, é umReferências Relevantes sinal de decadência moral e política. É a prova de que o império está apodrecendo por dentro, incapaz de resolver seus problemas sem recorrer à expropriação de sua própria base e, no caso do dólar, do mundo inteiro.
- Reis, Tiago. “A história do dinheiro.” Infomoney, 2022.
- Rogoff, Kenneth. “The Curse of Cash.” Princeton University Press, 2016.
- Gallo, Alessandro. “The Roman Monetary System during the Late Republic and Early Empire.” Journal of Economic History, 2005.
- Harvey, David. “O Novo Imperialismo.” Edições Loyola, 2004.
