Por José Reinaldo Carvalho (*) – No momento em que o mundo está vivendo um período de acentuadas mudanças e grandes turbulências, disputas comerciais, unilateralismo, protecionismo, conflitos geopolíticos e desconfiança em relação à eficácia das instituições internacionais, a China lança o Fórum Global sobre Mediação Internacional, oferecendo uma alternativa inovadora para a governança global baseada no multilateralismo e no direito internacional.
É mais um passo concreto que a China dá em defesa de um multilateralismo genuíno, do primado do direito internacional e de uma nova arquitetura de governança global.
No dia 30 de maio, o ministro das Relações Exteriores da China e membro do Birô Político do Comitê Central do Partido Comunista Chinês, Wang Yi, participou, em Hong Kong, da cerimônia de assinatura do Estabelecimento da Organização Internacional para Mediação (IOMed, sigla em inglês). A criação da IOMed não é apenas uma resposta a disputas internacionais que demandam soluções pacíficas, eficazes e menos onerosas, mas representa uma ação de vanguarda diante da falência de fóruns tradicionais capturados por potências hegemônicas. Trata-se da primeira organização jurídica intergovernamental dedicada exclusivamente à mediação como forma de resolução de disputas internacionais.
Em 2022, a China e quase 20 países com posições semelhantes lançaram conjuntamente a iniciativa de estabelecer a IOMed. Por meio de esforços conjuntos, as negociações sobre a Convenção para o Estabelecimento da IOMed foram concluídas e todas as partes concordaram em estabelecer sua sede em Hong Kong. Mais de 60 países da Ásia, África, América Latina e Europa — além de cerca de 20 organizações internacionais, como a própria ONU — participam da cerimônia com representantes de alto nível. Isso demonstra não apenas a legitimidade e a atratividade da proposta, mas também um anseio global por instituições mais representativas, inclusivas e eficientes.
O Fórum Global sobre Mediação Internacional será realizado na tarde do mesmo dia para discutir “mediação de disputas entre Estados” e “mediação de disputas entre um Estado e investidores estrangeiros e disputas comerciais”, entre outros assuntos, informa o Ministério.
O valor estratégico da mediação
A mediação está expressamente prevista como mecanismo de resolução de disputas na Carta das Nações Unidas. Diferente de processos litigiosos ou de arbitragem tradicional, a mediação permite que as partes encontrem soluções baseadas na vontade mútua, sem imposições externas. É, portanto, uma alternativa mais flexível, menos custosa e, muitas vezes, mais eficaz — especialmente para países em desenvolvimento que enfrentam desvantagens estruturais nos fóruns tradicionais.
A IOMed incorpora essa lógica e atualiza a tradição oriental de valorização da harmonia, do diálogo e da solução negociada, frente a uma realidade internacional marcada por conflitos, sanções unilaterais, instrumentalização de cortes internacionais e uso político de organismos multilaterais.
Uma peculiaridade importante da iniciativa é que, muito ao contrário das práticas inspiradas em propósitos hegemônicos, a proposta chinesa incorpora os principais sistemas jurídicos do mundo, o que terá efeitos positivos na promoção de uma governança global mais justa e equitativa em termos do Estado de Direito. Trata-se de uma construção pluralista e inclusiva, que reconhece as diversas tradições legais do planeta e busca construir consensos ao invés de impor modelos.
Um novo polo institucional nascendo no Sul Global
A escolha de Hong Kong como sede da IOMed tem um forte simbolismo. Por um lado, reafirma a condição da cidade como elo entre o Oriente e o Ocidente, uma ponte jurídica e econômica entre diferentes mundos. Por outro, representa a afirmação da soberania chinesa e de sua capacidade de construir centros internacionais respeitados e funcionais, apesar das campanhas de deslegitimação promovidas por potências que se pretendem hegemônicas.
O apoio maciço de países do Sul Global à IOMed demonstra que há uma mudança em curso: antigas potências já não conseguem monopolizar a normatização internacional nem impor, sozinhas, os meios de resolução de controvérsias. Organismos como o Banco Mundial, o FMI, a OMC ou até mesmo tribunais internacionais têm perdido legitimidade, especialmente por suas assimetrias de poder, lentidão processual ou parcialidade.
Ao oferecer uma alternativa concreta e funcional, a China posiciona-se como liderança ativa e responsável na construção de mecanismos multilaterais verdadeiramente representativos — ao contrário da retórica muitas vezes vazia das potências que alimentam pretensões imperialistas, que continuam insistindo em um “multilateralismo seletivo”.
Um multilateralismo genuíno
A Organização Internacional para Mediação surge como um reflexo do conceito de “comunidade de futuro compartilhado para a humanidade”, defendido pela China. Essa visão propõe um mundo multipolar, onde Estados soberanos possam cooperar entre si em condições de igualdade, respeitando a autodeterminação e o desenvolvimento comum.
A IOMed dialoga também com outras iniciativas chinesas no campo da governança global, como a Iniciativa de Desenvolvimento Global (IDG), a Iniciativa de Segurança Global (ISG) e a Iniciativa de Civilização Global, todas voltadas para a construção de uma ordem internacional mais inclusiva, pacífica e centrada na cooperação. Juntas, elas formam um combinado coeso de propostas e ações em contraposição ao unilateralismo e à mentalidade de soma zero e de Guerra Fria que ainda domina parte da política externa dos EUA e seus aliados.
Em contraste com a abordagem intervencionista, coercitiva e frequentemente militarizada de determinadas potências ocidentais, a China propõe mecanismos de mediação pacífica, baseados no consenso, no diálogo e na justiça. A mediação, nesse contexto, não é apenas uma técnica, mas uma filosofia de atuação internacional — que resgata o espírito da diplomacia e da legalidade.
Um convite à participação
A IOMed está aberta à adesão de novos países. É um convite ao mundo para repensar as formas de lidar com conflitos internacionais, dentro de um sistema que respeite as especificidades culturais e jurídicas de cada nação. É também um gesto de cooperação internacional genuína, ao invés de blocos excludentes.
A participação de países da América Latina, em especial, deve ser incentivada. A região enfrenta frequentes litígios com investidores estrangeiros, que muitas vezes recorrem a tribunais de arbitragem enviesados. A IOMed pode oferecer uma alternativa menos onerosa, mais transparente e mais justa para a resolução desses conflitos, fortalecendo a soberania e a capacidade regulatória dos Estados.
A criação da Organização Internacional para Mediação é um marco na trajetória da China como arquiteta de uma nova ordem internacional, baseada no multilateralismo genuíno, na legalidade internacional e no diálogo. Em vez de impor soluções ou exportar modelos, a China oferece um mecanismo funcional, consensual e inovador para a resolução de disputas.
A IOMed representa um avanço concreto rumo a uma governança global mais democrática, equitativa e eficaz. Não se trata apenas de mais um organismo internacional, mas de um símbolo de que é possível construir pontes onde antes se erguiam muros, mediar onde antes se ameaçava, e dialogar onde antes se impunha.
Se os países do Sul Global — e também aqueles do Norte dispostos ao diálogo — abraçarem essa proposta, o mundo dará um passo decisivo na construção de uma ordem internacional mais justa, pacífica e equilibrada.
(*) Jornalista, editor internacional, membro do Comitê Central e da Comissão Política Nacional do PCdoB, coordenador do setor de Solidariedade e Paz, presidente do Cebrapaz – Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz
